Curso de Lingüística Geral
F. de Saussure
Introdução
Cap. I – Visão
geral da história da Lingüística
A Lingüística
passou por três fases sucessivas antes de reconhecer seu verdadeiro objeto.
A primeira fase foi
a Gramática, estudo iniciado pelos gregos e continuado até hoje,
principalmente pelos franceses. É uma disciplina normativa, baseada na lógica.
A seguir passou a
fazer-se Filologia, que, modernamente, foi iniciada por August Wolf, a partir
de 1777. Além da língua, o principal objeto da Filologia são os textos, os
quais pretende interpretar e comentar pelo método crítico.
A terceira fase é a da Gramática comparada, quando se descobriu que as línguas podiam ser comparadas. Iniciado por Franz Bopp (1816), seguido por Jacob Grimm, Pott, Kuhn, Benfley e Aufrecht.
A terceira fase é a da Gramática comparada, quando se descobriu que as línguas podiam ser comparadas. Iniciado por Franz Bopp (1816), seguido por Jacob Grimm, Pott, Kuhn, Benfley e Aufrecht.
Merecem destaque,
entre os últimos integrantes da escola comparatista, Max Muller, G. Curtius e
August Schleicher.
A escola
comparatista constitui o primeiro período da Lingüística indo-européia, mas
nunca chegou a delimitar seu objeto de estudo.
A lingüística
propriamente dita surgiu do estudo das línguas românicas e germânicas,
principalmente a partir dos neogramáticos alemães, que colocaram em perspectiva
histórica todos os resultados das comparações e encadearam os fatos em sua
ordem natural.
Cap. II – Matéria e
tarefa da Lingüística
A tarefa da
Lingüística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem
humana. Sua tarefa será:
a)
Fazer a
descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, reconstituindo,
na medida do possível, as línguas-mães de cada família;
b)
Procurar
as forças que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as
línguas e deduzir as leis gerais;
c)
Delimitar-se
e definir-se a si própria.
Cap. III – Objeto
da Lingüística
1 – A Língua: sua
definição
O objeto concreto e
integral da Lingüística é difícil de delimitar.
Outras ciências
trabalham com objetos previamente dados e que se podem considerar, em seguida,
sob diversos pontos de vista.
Em Lingüística tal
relação não ocorre, pois é o ponto de vista que cria o objeto. E seja qual for
a posição que se adote, o fenômeno lingüístico apresenta perpetuamente duas
faces que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra:
a)
As
sílabas se articulam pelos órgãos vocais e são percebidas pelas impressões
acústicas. Não se pode reduzir a língua ao som, nem separar este da articulação
vocal.
b)
O som
não constitui a linguagem. Ele forma com a idéia uma unidade complexa,
fisiológica e mental.
c)
A
linguagem tem um lado social e outro individual, ambos interdependentes.
d)
A
linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução. A
unidade que une ambas as coisas é tão íntima que é difícil separa-las.
Assim, o fenômeno
lingüístico é sempre dualista, possui duas faces que se correspondem, e uma não
vale senão pela outra. Qualquer que seja o lado pelo qual se aborde a questão,
o objeto não se oferece integralmente.
Entretanto, há uma
solução para todas as dificuldades: é necessário colocar-se no terreno da
língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações. Dentre tantas
dualidades, a língua parece suscetível duma definição autônoma e fornece um
ponto de apoio satisfatório.
A Língua é parte
fundamental da linguagem. É um produto social da faculdade de linguagem e um
conjunto necessário que permite o exercício da linguagem pelos indivíduos.
A linguagem é
física, fisiológica e psíquica. Pertence ao domínio social e individual ao
mesmo tempo. É inclassificável em qualquer categoria dos fatos humanos, pois
não se sabe como inferir sua unidade. A língua, ao contrário, pode ser
considerada em si mesma e tomada como princípio de classificação.
A esse princípio de
classificação, poderia objetar-se que o exercício da linguagem é natural,
enquanto a língua é convenção. Mas não está provado que nosso aparelho vocal
tenha sido feito para falar, assim como as pernas para andar.
A língua,
considerada como uma instituição social, é uma convenção, e a natureza do signo
convencional é indiferente. Por esse aspecto, a questão do aparelho vocal é secundária
no problema da linguagem.
A definição do
conceito de linguagem articulada poderia confirmar essa idéia. A articulação
pode designar não só a divisão da cadeia falada em sílabas, mas a subdivisão da
cadeia de significações em unidades significativas. Assim, pode-se dizer que
não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma
língua: um sistema de signos distintos, correspondente a idéias distintas.
Para atribuir à
língua o primeiro lugar nos fatos da linguagem pode se argumentar que a
faculdade – natural ou não – de articular palavras não se exerce senão com
ajuda do instrumento criado pela coletividade. A língua, então, é o que faz a
unidade da linguagem.
2 – Lugar da Língua
nos fatos da linguagem
Para encontrar o
lugar da língua nos fatos da linguagem, é preciso reconstruir o circuito da
fala.
O circuito
pressupõe dois indivíduos, no mínimo. O primeiro forma uma imagem mental, ou
conceito, associado à representação dos signos lingüísticos ou imagens
acústicas a ele associados. Esse fenômeno é inteiramente. Esse fenômeno é
inteiramente psíquico.
O cérebro transmite
aos órgãos da fonação um impulso correlativo da imagem, através de um fenômeno
fisiológico. A propagação sonora da boca de um indivíduo ao ouvido de outro é
um fenômeno físico. Em seguida o circuito se prolonga de modo inverso.
O processo de
linguagem é então físico, fisiológico e psíquico.
Tal circuito possui
uma parte exterior, puramente física, uma parte psíquica, que exclui as não
psíquicas, e uma parte ativa e outra passiva, em que ativo é tudo que vai do
centro de associação de um indivíduo ao ouvido de outro.
Na parte psíquica,
podemos chamar de executivo tudo que é ativo (conceito – imagem), e receptivo
tudo que é passivo (imagem – conceito).
Existe ainda uma
faculdade de associação e coordenação que se manifesta desde que já não se
trate de signos isolados. Ela desempenha o principal papel na organização da
língua enquanto sistema.
Entre todos os
indivíduos unidos assim pela linguagem se estabelecerá uma espécie de meio
termo, todos reproduzirão, aproximadamente, os mesmo signos unidos aos mesmos
conceitos.
Pelo funcionamento
das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se
formam as marcas sensíveis a todos, e são elas que estão na origem da
cristalização social da linguagem.
Ao separar a língua
da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1) o que é social do que é individual; 2) o
que é essencial do que é acessório, ou incidental.
A língua não
constitui uma função do falante. Ela é o produto que o falante registra
passivamente.
A fala, ao
contrário, é um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém
distinguir: 1) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua
para exprimir seu pensamento pessoal; 2) o mecanismo psicofísico que lhe
permite exteriorizar essas combinações.
3 – Lugar da Língua
nos fatos humanos. A Semiologia
A Língua, ao
contrário da linguagem, é classificável entre os fatos humanos.
A Língua é uma
instituição social, um sistema de signos que exprimem idéias. Pode-se, então,
conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social: a
Semiologia.
A Semiologia
estudará a consistência dos signos, as leis que os regem, e a Lingüística será
uma parte dessa ciência geral. A tarefa da Lingüística é definir o que faz da
língua um sistema especial no conjunto dos fatos semiológicos.
O signo escapa
sempre à vontade individual ou social, e é este seu principal caráter. Esse
caráter só aparece nítido na língua, mas manifesta-se nas mais diversas coisas,
e são menos estudadas.
O problema
lingüístico é antes de tudo semiológico. Se a intenção é descobrir a verdadeira
natureza da língua, será mister considerá-la no que ela tem de comum com todos
os outros sistemas semiológicos.
Considerando os ritos,
os costumes, etc., como signos, esses fatos aparecerão sob outra luz e
sentir-se-á a necessidade de agrupa-los na Semiologia.
Cap. IV –
Lingüística da Língua e Lingüística da Fala
Com outorgar à
ciência da língua o primeiro lugar no conjunto dos estudos da linguagem,
situamos toda a Lingüística. Todos os outros elementos da linguagem, que
constituem a fala, subordinam-se a esta primeira ciência.
O estudo da
linguagem comporta duas partes: uma tem por objeto a língua, que é social e
independe do indivíduo, estudo essencialmente psíquico. Outra, secundária, tem
por objeto a fala, elemento individual da linguagem, inclusive a fonação, e é
psicofísica.
O conjunto global
da linguagem é incognoscível, ao passo que a distinção entre língua e fala, e a
subordinação desta a aquela, formam a primeira bifurcação quando se procura
estabelecer a teoria da linguagem.
Cap. V – Elementos
internos e Elementos externos da Língua
A definição de
Língua pressupõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja externo ao organismo,
ao seu sistema: tudo o que compõe a Lingüística externa.
As relações da
língua com a etnologia, com a história política, com as instituições e com a
geografia devem ser estudadas separadamente do funcionamento interno da Língua.
A Lingüística
interna e a Lingüística externa possuem métodos distintos. A última não admite
uma disposição qualquer dos objetos de análise. A língua é um sistema que
conhece somente sua ordem própria.
Para efeito de
análise, será considerado interno tudo quanto provocar mudança do sistema, em
qualquer grau.
Cap. VI –
Representação da Língua pela Escrita
1 – Necessidade de
estudar esse assunto
O objeto concreto
da Lingüística é o produto social depositado no cérebro de cada um: a língua.
Mas tal produto difere de acordo com os grupos lingüísticos. O lingüista está
obrigado a conhecer o maior número de línguas para tirar, por observação e
comparação, o que nelas exista de universal.
Geralmente,
conhece-se uma língua somente através da escrita. Conquanto seja estranho ao
sistema interno, é impossível irrelevar um processo pelo qual a língua pe
ininterruptamente representada.
2 – Prestígio da
escrita
Língua e escrita
são dois sistemas distintos de signos. O papel do segundo é representar o
primeiro.
A língua tem uma
tradição oral independente da escrita e diversamente fixa. Os primeiros
lingüistas não distinguiam entre o som e a letra correspondente.
As causas do
prestígio da escrita são inúmeras:
a)
É mais
fácil apreender a imagem visual de um signo que o liame natural, e único verdadeiro,
o som.
b)
Na
maioria dos indivíduos as impressões acústicas são mais nítidas e mais
duradouras que as impressões acústicas.
c)
A
língua literária aumenta a importância imerecida da escrita, e a ortografia
confere à escrita uma importância primordial.
d)
Quando
existe desacordo entre a língua e a ortografia, a forma escrita fatalmente
prevalece.
3 – Os sistemas de
escrita
Existem apenas dois
sistemas de escrita:
a)
o
sistema ideográfico, em que a palavra é representada por um signo único e
estranho aos sons de que ela se compõe.
b)
O
sistema fonético, que visa a reproduzir a série de sons que se sucedem nas
palavras, baseado em seus elementos irredutíveis.
O alfabeto grego é
o protótipo dos estudos. Ele reflete a língua de maneira assaz racional. Quanto
à lógica, esse alfabeto é particularmente notável. Mas a harmonia entre grafia
e pronúncia, que era perfeita quando da elaboração do alfabeto, não dura ao
passar do tempo.
4 – Causas do
desacordo entre grafia e pronúncia
Entre as principais
causas de desacordo temos que, em primeiro lugar, a língua evolui sem cessar,
ao passo que a escrita permanece imóvel. A grafia passa a não mais representar
àquilo que deve representar.
Outro fator de
desacordo pode ocorrer quando um povo toma emprestado outro seu alfabeto. Os
recursos desse novo sistema gráfico não se prestam adequadamente a sua nova
função. Tem-se que recorrer a expedientes, como a utilização de duas letras
para designar um só som.
Existe ainda a
preocupação etnológica, que procura a grafia correta na origem da palavra.
Entretanto, o próprio princípio é errôneo, pois o sistema escrito deve
representar a pronúncia da palavra.
5 - Efeitos desse
desacordo
O resultado das
diversas tentativas de fixar a língua na escrita, ao longo do tempo, é que a
escrita obscurece a visão da língua.
Outro resultado é
que quanto menos a escritura representa aquilo que deve representar, tanto mais
se reforça a tendência de toma-la por base.
O que fixa a
pronúncia de uma palavra não é a escrita, mas sua história.
À força de impor-se
à massa, a letra influi na língua e a modifica. Isso acontece nos idiomas muito
literários, em que o documento escrito desempenha papel considerável. (fato
patológico.)
Essas deformações
fônicas pertencem à língua, mas não resultam de seu funcionamento natural.
Cap. VII – A
Fonologia
1 – Definição
Para a substituição
da escrita pelo pensamento, do artificial pelo natural, precisou-se, antes,
estudar os sons da língua, pois, separados dos seus signos gráficos, eles
representam apenas noções vagas.
A fisiologia dos
sons é chamada Fonética. Esse termo foi substituído por Fonologia, pois o
primeiro termo designou, no princípio, os estudos das evoluções dos sons.
A Fonética pe uma
ciência histórica, analisa acontecimentos, transformações e se move no tempo.
A Fonologia se
coloca fora do tempo, já que o mecanismo da articulação permanece sempre igual
a si mesmo.
O primeiro é parte
essencial da ciência da língua. O segundo não passa de disciplina auxiliar e só
se refere à fala.
2 – A escrita
fonológica
O lingüista exige,
antes de tudo, que lhe seja fornecido um meio de representar os sons
articulados que suprima qualquer equívoco.
O princípio da
escrita fonológica é representar por um signo cada elemento da cadeia falada.
3 – Crítica ao
testemunho da escrita
O primeiro passo,
no estudo de uma língua, é traçar o sistema fonológico.
Quando se trata de
línguas do passado, estamos limitados a dados indiretos.
a)
O
primeiro passo são os indícios externos, sobretudo o testemunho de
contemporâneos que descreveram os sons e a pronúncia de sua época.
b)
Pode-se
obter mais informações cruzando os indícios externos aos internos:
1)
Indícios
extraídos da regularidade das evoluções fonéticas
2)
Indícios
contemporâneos, como a diversidade de grafias e os textos poéticos.
Quando se trata de
uma língua viva, o único método racional consiste em:
a)
Estabelecer
o sistema de sons tal como é reconhecido pela observação direta;
b)
Observar
o sistema de signos que servem para representar – imperfeitamente – os sons.
Introdução – Apêndice
- Princípios de Fonologia
Capítulo I – As Espécies Fonológicas
1 – A definição de
Fonema
A impressão
acústica dos fonemas é a base de toda a teoria, e não o ato de fonação – a
produção dos sons pelos órgãos.
A cadeia acústica
não se divide em tempos iguais, mas em tempos homogêneos, caracterizados pela
unidade de impressão (do som), que é o ponto de partida para o estudo
fonológico.
Apesar do
componente acústico dos fonemas ser primordial para a teoria, só podemos
descrevê-los na cadeia falada com base no ato articulatório.
O fonema, então, é
a soma das impressões acústicas e dos movimentos articulatórios da unidade
ouvida e da unidade falada, das quais uma condiciona a outra.
Os elementos
obtidos primeiramente pela análise dessa cadeia falada são momentos
irredutíveis que não podem ser considerados fora do tempo que ocupam.
Assim, pode-se
falar do T, como espécie, e do t, em geral, levando-se em conta
apenas o caráter distintivo e deixando de parte aquilo que depende da sucessão
no tempo.
2 – O aparelho
vocal e seu funcionamento
São órgãos imóveis
do aparelho vocal: a Laringe, a Boca, a Cavidade Nasal, os Lábios superiores,
os Dentes superiores, o Palato e o Véu palatal.
São órgãos móveis:
a Glote, a Úvula, o ápice e o dorso da Língua, e o Lábio inferior.
A Glote pode
abrir-se ou estreitar-se à passagem do ar. Se estreitar-se provoca uma vibração
à passagem do ar, que emite som. Se não estreitar-se, não emite som.
A Cavidade Nasal
serve unicamente para ressoar as vibrações vocais que a atravessam. Não
desempenham, portanto, nenhum papel na produção do som.
A Cavidade Bucal
oferece um jogo de muitas variações possíveis, e acumula as funções de ressoar
e produzir o som.
Na produção de som,
os fatores que podem entrar em jogo são: a expiração, a articulação bucal, o
som laríngeo e a ressonância nasal, dos quais os dois primeiros são fatores
constantes de todos os sons, e os últimos podem ou não interferir na produção.
De todos os fatores, somente a articulação bucal não é uniforme, e se caracteriza
por permitir inúmeras variações.
O fonema fica
identificado quando se determina o ato fonatório (combinação singular dos três
últimos fatores, que diferenciam um fonema dos outros), e o ato fonatório é
determinado, então, pelos movimentos articulatórios da boca, pela presença ou
ausência de vibração laríngea (sons sonoros e surdos), e pela participação ou
não da cavidade nasal na emissão do som (sons nasais).
3 – Classificação
sos sons conforme sua articulação bucal
Geralmente parte-se
da ponto (ou zona) de articulação para definir os sons.
O ponto de partida
para a classificação sos sons bucais será a abertura (da boca), que vai da
oclusão total à abertura completa. Entre estes dois extremos os sons serão
classificados numa escala de 0 a
6, e somente no interior de cada abertura os fonemas serão distribuídos,
levando-se em conta seu ponto de articulação.
A – Abertura Zero –
Oclusivas
Existem três tipos
de Oclusivas: as labiais /p/ surda, /b/ sonora, /(m)/ sonora e nasal; as
dentais /t/ surda, /d/ sonora, /(n)/sonora e nasal; as guturais /k/ surda, /g/
sonora, /(n)/ sonora e nasal.
As nasais são
colocadas entre parêntesis, pois, se sua articulação comporta um fechamento
completo da boca, a abertura do canal nasal lhes oferece um canal de abertura
superior à outras.
B – Abertura Um –
Fricativas ou Expirantes
Caracterizam-se por
um fechamento incompleto da cavidade bucal, que permite a passagem do ar.
Labiodentais /f/
surda, /v/ sonora; as linguodentais /s/ surda, /z/ sonora; e em português as
palatais /ch/ surda, /j ou g/ sonora.
C – Abertura Dois –
Nasais
As quais já foram
descritas: /m/ e /n/.
D – Abertura Três –
Líquidas
a)
Articulação
lateral, em que distinguimos uma dental (alveolar) /l/ e em português uma
molhada (palatal) /lh/.
b)
Articulação
vibrante, em que distinguimos dois /r/ dentais (alveolares) e uma gutural
(velar) /R/.
E – Abertura Quatro
– Semivogais
A partir do quarto
grau entra-se no domínio das vogais. O mecanismo da fonação, entretanto,
permanece o mesmo. Passado certo grau de abertura, a boca funciona
principalmente como ressoador. O timbre do som laríngeo aparece completamente e
o ruído bucal desaparece.
São semivogais o
/i/ e o /u/.
Com relação às
outras vogais, esses sons supõem ainda fechamento considerável, que as coloca
bastante próximas das consoantes, o que justifica sua classificação.
O /i/ se pronuncia
com lábios arredondados e articulação dianteira; o /u/ se pronuncia com lábios
arredondados e articulação posterior.
F – Abertura Cinco
– Vogais
Muitas línguas
distinguem vários graus de abertura. Assim, no português, teremos abertas,
semi-abertas, semifechadas e fechadas. A única aberta é a vogal /a/, que
enquadra-se no próximo grau de abertura.
G – Abertura Seis –
Vogal /a/.
Capítulo II – O
Fonema na Cadeia Falada
1 – Necessidade de
estudar os sons na cadeia falada
Primeira Parte – Princípios Gerais
Cap. I – Natureza
do signo lingüístico
1 – Signo,
significado, significante
A unidade
lingüística é uma coisa dupla, constituída da união de dois termos, ambos
psíquicos e unidos por um vínculo de associação: o conceito e a imagem
acústica.
A terminologia
utilizada é Significado, para conceito, e Significante, para a
imagem acústica. A totalidade dos conceitos é o que se chama Signo.
2 – Primeiro
princípio: a arbitrariedade do signo
O laço que une o
significado ao significante é arbitrário, o que equivale a dizer que o signo é
arbitrário. Como prova dessa arbitrariedade, temos as diferenças entre as
línguas e a própria existência de línguas diferentes.
Este primeiro princípio
domina toda a lingüística da língua.
Arbitrário quer
dizer que o significante é imotivado, não guarda relação natural com o
significado.
3 – Segundo
princípio: caráter linear do significante
O significante,
sendo de natureza auditiva, desenvolve-se unicamente no tempo, e tem as
características próprias do tempo: 1) representa uma extensão; 2) essa extensão
só é mensurável na dimensão linear.
Os significantes
acústicos dispõem-se na linha do tempo. Seus elementos se apresentam um após o
outro, formando uma cadeia.
Cap. II –
Imutabilidade e Mutabilidade do Signo
1 – Imutabilidade
Se em relação ao
conceito o significante é arbitrário, em relação à comunidade lingüística que o
emprega é imposto. Nem a massa e menos ainda o indivíduo podem mudar o signo.
A língua, em
qualquer época que a observemos, é herança da época anterior. Um dado estado de
língua é sempre produto de fatores históricos, e esses fatores explicam porque
o signo resiste a toda substituição.
Em todas as
instituições sociais existe um equilíbrio ente a tradição imposta e a ação da
sociedade. A língua é dominada completamente pelos fatores históricos da
transmissão, o que exclui toda transformação geral e repentina.
Algumas
considerações essenciais explicam a predominância da tradição sobre a mudança:
a)
O
caráter arbitrário do signo, que pressupõem em teoria sua substituição,
funciona na prática como fator de conservação;
b)
A
multidão de signos necessários para constituir qualquer língua dificultam sua
substituição;
c)
O
caráter demasiado complexo da língua;
d)
A
resistência da inércia coletiva a toda renovação lingüística, porque a língua é
feita por todos e utilizada por todos ao mesmo tempo, o que, ao contrário de
outras instituições, demonstra a impossibilidade de uma revolução.
Se a língua tem um
caráter de fixidez, não é somente porque está ligada ao peso da coletividade,
mas também porque está situada no tempo. Os dois fatores são inseparáveis.
No fenômeno total
há a conjugação destes dois conceitos antinômicos: a convenção arbitrária, em virtude
da qual a escolha se faz livre, e o tempo, graças ao qual a escolha se acha
fixada.
Justamente porque
o signo é arbitrário não conhece outra lei senão a da tradição, e é por
basear-se na tradição que pode ser arbitrário.
2 – Mutabilidade
O tempo, que
assegura a continuidade da língua, tem outro efeito, em aparência contrário ao
primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos lingüísticos.
O signo está em
condições de alterar-se porque se continua no tempo.
Seja quais forem os
fatores de alteração, quer funcionem isoladamente ou combinados, levam sempre a
um deslocamento da relação entre o significado e o significante.
Uma língua é
radicalmente incapaz de se defender dos fatores que deslocam a relação entre o
significado e o significante. É uma das conseqüências da arbitrariedade dos
signos, que distinguem a língua das outras instituições.
A língua, situada
na massa social e no tempo, não permite alteração, mas o car´ter arbitrário de
seus signos pressupõem alterações livres, ao menos teoricamente. Disso resulta
que a idéia e a matéria fônica, unidas no signo, guardam uma vida própria, numa
proporção inigualável em qualquer outra parte.
A língua evolui sob
influência dos agentes que possam atingir quer seus sons, quer seus
significados, e essa evolução é fatal.
As causas da
continuidade estão, a princípio, ao alcance do observador. As causas da
alteração através do tempo não estão dadas.
Cap. III – A
lingüística estática e a evolutiva
1 - Dualidade
interna de todas as ciências que operam com valores
O fator tempo cria
para a Lingüística dificuldades particulares, e lhe coloca frente a duas retas
distintas.
Na lingüística
opera-se com a noção de valor. Trata-se de um sistema de equivalências entre
coisas de ordens diferentes: um significado e um significante.
Atua-se, então, em
dois eixos: o das simultaneidades e o das evoluções.
A multiplicidade
dos signos, que explica a continuidade das línguas, nos impede de estudar-lhe
ao mesmo tempo as relações no tempo e no sistema.
2 – Dualidade interna
e a história da Lingüística
Desde que a
Lingüística moderna existe, ela absorve-se completamente na diacronia. A
comparação é apenas um método de reconstruir o passado.
Os Gramáticos, na
fase anterior aos estudos lingüísticos, tinham a nítida intenção de reconstruir
estados. Seu programa é estritamente sincrônico.
Os métodos dos
gramáticos são menos repreensíveis que os dos comparatistas, já que os segundos
não tinham noção exata do seu alvo.
Após conceder
grande espaço á História, a Lingüística voltará ao ponto de vista estático da
gramática tradicional com seus métodos renovados.
3 – Dualidade
interna ilustrada com exemplos
A oposição entre os
dois pontos de vista é absoluta e não admite compromissos.
1)
Um fato
diacrônico é um acontecimento que tem razão de ser por si mesmo: as
conseqüências sincrônicas particulares que podem dele derivar são-lhe
totalmente estranhas.
2)
Os
fatos diacrônicos não alteram o sistema. A modificação não recai sobre a
ordenação, e sim sobre os elementos ordenados. Existe aqui um princípio: o
sistema nunca se modifica diretamente; em si mesmo é imutável. Apenas alguns
elementos são alterados sem atenção à solidariedade que os liga ao todo.
3)
Um
estado lingüístico é sempre fortuito.
4)
Os
fatos diacrônicos e sincrônicos não são da mesma ordem. Os fatos da sincronia
são sempre significativos. Os da diacronia, ao contrário, não são intencionais.
Uma lei de
acentuação, por exemplo, como tudo quanto respeita ao sistema lingüístico, é
uma disposição de termos. Um resultado fortuito e involuntário da evolução.
A língua é um
sistema em que todas as partes podem ser consideradas na sua solidariedade
sincrônica. Como a alteração não ocorre no bloco, mas em algum elemento, só
podem ser estudadas fora do sistema.
4 – A diferença
entre as duas ordens ilustrada por comparações
Os estados
sincrônicos não são conhecidos estudando os acontecimentos diacrônicos.
O sistema é sempre
momentâneo, varia de um equilíbrio a outro. Os valores, no entanto, dependem de
uma convenção imutável: a regra do jogo, que em matéria de língua, são os
princípios da Semiologia.
a)
Na
língua, as mudanças se aplicam a elementos isolados.
b)
O lance
repercute sobre todo o sistema, causando alterações imprevisíveis.
c)
A
alteração de um elemento, causando a evolução para um novo estado, é um fato
absolutamente distinto do equilíbrio precedente e do subseqüente. A alteração
não pertence a nenhum dos dois estados, pois os estados são a única coisa que
importa.
5 – As duas
lingüísticas opostas em seus métodos e em seus princípios
A oposição entre o
diacrônico e o sincrônico se manifesta em todos os pontos.
O aspecto
sincrônico é mais importante, pois ele constitui a única verdade para a massa
falante.
a)
À
sincronia só pertence a perspectiva dos falantes, e seu método é
reconhecer-lhes o conteúdo. A diacronia deve distinguir sempre duas
perspectivas: uma prospectiva, que acompanha o curso do tempo e a
retrospectiva, que faça o mesmo em sentido contrário.
b)
O
estudo sincrônico tem por objeto o conjunto dos fatos correspondentes a cada
língua. Na medida em que for necessário, a separação irá até os dialetos e
subdialetos. A Lingüística diacrônica não necessita outra especialização. Os
termos que ela considera não pertencem forçosamente a uma mesma língua.
A antinomia radical
entre o fato evolutivo e o fato estático tem por conseqüência fazer com que
todas as noções relativas a um e ao outro sejam irredutíveis entre si.
6 – A lei
diacrônica e a lei sincrônica
Toda lei social
apresenta duas características fundamentais: é imperativa e geral.
A lei sincrônica é
geral, mas não é imperativa. Impõe-se aos indivíduos pela sujeição do uso
coletivo. Mas na língua, força alguma garante a manutenção da regularidade
quando ela reina em alguma parte.
A diacronia supõe
um valor dinâmico. Mas tal caráter imperativo não basta para que se aplique a
noção de lei aos fatos evolutivos. Não se fala de lei senão quando algum
conjunto de fatores obedece à mesma regra, e os acontecimentos diacrônicos têm
sempre caráter acidental e particular.
Portanto, nem os
fatos sincrônicos nem os diacrônicos são regidos por leis no sentido estrito.
Se quiser se falar de lei no sentido lingüístico, esse termo abrangerá
significações diferentes.
7 – Existe um ponto
de vista pancrônico?
Pode-se estudar a
língua a partir de um ponto de vista pancrônicos delineando certas leis
naturais, ou seja, relações que se verificam em toda parte.
Assim, visto que
existem transformações fonéticas, pode-se considerar este fenômeno como um dos
aspectos constantes da linguagem. É uma de suas leis.
Em lingüística
existem leis que sobrevivem a todos os acontecimentos. São, entretanto, leis
gerais, que independem de fatos concretos. Quando se considera fatos
particulares e tangíveis, já não há ponto de vista pancrônico.
8 – Conseqüências
da confusão entre sincrônico e diacrônico
a)
A
verdade sincrônica parece ser a negação da verdade diacrônica. Entretanto, uma
das verdades não exclui a outra.
b)
A
verdade sincrônica concorda de tal modo com a verdade diacrônica que se costuma
confundi-las ou julgar supérfluo desdobra-las.
9 – Conclusões
Assim, a
Lingüística se acha aqui ante sua segunda bifurcação.
Tudo quanto seja
diacrônico na língua, não o é senão pela fala. É na fala que se acha o germe de
toda modificação. Mas as modificações, enquanto permanecem individuais, não são
levadas em conta. Só
entram no campo de observação no momento em que a coletividade as acolhe.
Na história de toda
inovação encontram-se dois momentos distintos: 1) aquele em que ela surge entre
os indivíduos; 2) aquele em que se tornou um fato de língua, exteriormente
idêntico, mas adotado pela comunidade.
A Lingüística
diacrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos
coexistentes e que formem sistema, tais como são percebidos pela consciência
coletiva.
A Lingüística
diacrônica estudará as relações que unem termos sucessivos não percebidos por
uma mesma consciência coletiva e que subsistem uns aos outros sem formar
sistema entre si.
Segunda Parte – Lingüística Sincrônica
Cap. I –
Generalidades
O objeto da Lingüística
sincrônica geral é estabelecer os princípios fundamentais de todo o sistema
idiossincrônico, os fatores constitutivos de todo estado de língua.
À sincronia
pertence tudo o que se chama gramática geral, pois é somente pelos
estados de língua que se estabelecem as diferentes relações que incumbem à
gramática.
De modo geral, é
mais difícil fazer a Lingüística estática que a histórica, pois os fatos de
evolução são mais concretos.
Um estado da língua
é um espaço de tempo durante o qual a soma de modificações ocorridas é mínima.
Em lingüística
estática, nenhuma demonstração é possível sem uma simplificação convencional
dos dados.
Cap. II – As
entidades concretas da língua
1 – Entidades e
unidades. Definições.
Os signos de que a
língua se compõe não são abstrações, mas entidades concretas da Lingüística,
que se ocupa de suas relações.
1 – A entidade
lingüística só existe pela associação do significado e do significante.
2 – A entidade
lingüística não está completamente determinada enquanto não esteja delimitada.
São estas unidades que se opõem no mecanismo da língua.
A língua não se
apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão. É uma massa
indistinta, na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os
elementos particulares. A unidade não tem nenhum caráter fônico especial, e a
única definição que dela se pode dar é a seguinte: uma porção de sonoridade
que, com exclusão do que precede e do que se segue na cadeia falada, é
significante de um certo conceito.
2 – Método de delimitação
Um método correto
de delimitação das unidades lingüísticas é colocar-se no plano da fala e
representar a língua a partir de duas cadeias paralelas: a dos conceitos e a
das imagens acústicas, nas quais cada idéia corresponde a um som.
Entretanto, se
colocamos dada porção fônica em diversos contextos, temos que, outra
representam o mesmo conceito – e formam unidade entre si -, ora representam
outra idéia – e constituem uma unidade diferente da anterior.
3 – Dificuldades
práticas da delimitação
Este método é
correto se considerarmos que as unidades a serem delimitadas são as palavras.
Entretanto, a noção de palavra é incompatível com a noção de unidade concreta.
Outra teoria
difundida diz que as únicas entidades concretas são as frases. Entretanto, se a
frase é exclusividade da Fala, não poderia passar por unidade lingüística. As
frases apresentam grande diversidade, e se procurarmos o que as une através
dessa diversidade, voltamos à palavra, com seus caracteres gramaticais.
4 – Conclusão
Na maioria das
ciências as unidades são dadas de antemão. Quando uma ciência não apresenta
unidades concretas imediatamente reconhecíveis é porque elas não são
essenciais.
A língua tem o
caráter de um sistema baseado completamente na oposição de suas unidades concretas.
Não podemos deixar de conhece-as, e sua delimitação, no entanto, é um problema
tão grande que nos perguntamos se elas existem de fato.
Cap. III –
Identidades, Realidades, Valores
Em Lingüística
estática, qualquer noção primordial depende da idéia que faça da unidade, e
depende dela.
A – Identidade
sincrônica
Trata-se, aqui, da
identidade entre o mesmo elemento em contextos distintos.
Se a
correspondência entre a porção fônica e o conceito forma a identidade, pode,
também, haver identidade sem a mesma correspondência. Uma palavra pode exprimir
idéias diferentes sem que sua identidade fique comprometida.
A entidade não é
puramente material; funda-se em certas condições a que é estranha sua matéria
ocasional.
O vínculo entre
dois empregos da mesma palavra não se baseia nem na identidade material nem na
exata semelhança de sentido, mas em outros elementos.
B – Realidade
sincrônica
A distinção das
partes do discurso é que deve servir para classificar as palavras da língua.
Mas a distinção das palavras em classes como substantivos, adjetivos, verbos
etc., não é uma realidade lingüística inegável.
Realidade
sincrônica é algo que tenha seu lugar no sistema da língua e que seja
condicionado por ela.
Fora os conceitos
forjados pelos gramáticos, as entidades concretas da língua não se apresentam
por si mesmas à nossa observação. Deve-se depreende-las para tomar contato com
o real e elaborar todas as classificações necessárias à Lingüística.
C – Valores
sincrônicos
Todas as noções
versadas anteriormente correspondem a valores.
Nos sistemas
semiológicos, os quais os elementos se mantém equilibrados de acordo com regras
determinadas, a noção de identidade se confunde com a de valor, e
reciprocamente. Este é o motivo pelo qual a noção de valor recobre as de
unidade, de entidade concreta e de realidade.
Em termos práticos
seria interessante começar por decupar as unidades, subunidades e as unidades
maiores.
Cap. IV – O valor
lingüístico
1 – A língua como
pensamento organizado na matéria fônica
As idéias e os
sons, os dois elementos que entram em jogo no funcionamento da língua, bastam
para entender porque a língua é um sistema de valores puros.
Nosso pensamento é
uma massa amorfa e indistinta. Sem o recurso dos signos seríamos incapazes de
distinguir duas idéias de modo claro e constante.
O som, a substância
fônica, é nada mais que uma matéria plástica que se subdivide em partes
distintas para fornecer os significantes de que o pensamento tem necessidade.
A língua é uma
série de subdivisões contíguas marcadas simultaneamente sobre o plano
indefinido das idéias confusas e o plano indeterminado dos sons (A/B).
O papel da língua
frente ao pensamento é servir de intermediário entre o pensamento e o som, em
condições tais que uma união conduza a delimitações recíprocas de unidade. Trata-se do fato de o pensamento-som
implicar divisões, e de a língua elaborar suas unidades constituindo-se entre
duas massas amorfas.
A lingüística
trabalha no terreno limítrofe onde os elementos dessas duas ordens se combinam.
Esta combinação produz uma forma, não uma substância.
Não só as idéias e
os sons são massas amorfas, como a escolha da porção acústica para tal idéia é
arbitrária. Não existe elemento imposto de fora. E por causa da arbitrariedade,
os valores continuam a ser inteiramente relativos.
O fato social
serve, por si só, para criar o sistema lingüístico. Estabelece os valores cuja
única razão de ser está no uso e no consenso geral.
2 – O valor
lingüístico considerado em seu aspecto conceitual
O valor, sob o
prisma conceitual, constitui um elemento da significação, e é difícil saber
como a significação se distingue do valor, apesar de estar sob sua dependência.
O conceito é a
contraparte da imagem acústica no interior do signo, e este signo é,
igualmente, a contraparte dos outros signos da língua.
A língua é um
sistema em que todos os termos são interdependentes e o valor de um resulta da
presença simultânea de outros.
Temos que: 1) o
valor é constituído por uma coisa dessemelhante, suscetível de ser trocada por
outra; 2) o valor é constituído por coisas semelhantes, que podem ser
comparadas com o valor do signo que se leva em conta.
Esses dois fatores
são necessários para a existência de um valor.
No interior de uma
língua, todas as palavras que exprimem idéias vizinhas se limitam
reciprocamente. Inversamente, existem termos que se enriquecem pelo contato com
outros. Assim, o valor de qualquer termo está determinado por aquilo que o
rodeia.
O que ocorre com as
palavras se aplica a qualquer termo da língua.
Se as palavras
fossem encarregadas de representar conceitos dados de antemão, cada uma delas
teria, de uma língua para outra, correspondentes exatos para o sentido. Então,
ao invés de idéias dadas de antemão, são os valores que emanam do sistema.
3 – O valor
lingüístico e sua parte material
Se a parte
conceitual do valor é constituída por relações e diferenças com os outros
termos da língua, pode-se dizer o mesmo de sua parte material.
O que importa na
palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir
uma palavra de todas as outras, pois são elas que levam a significação.
Arbitrário e diferencial são duas qualidades correlativas.
O som não pertence
à língua. É secundário. Todos os valores convencionais apresentam esse caráter
de não se confundir com o elemento tangível que lhes serve de suporte.
O significante
lingüístico não é fônico, mas incorpóreo. É constituído unicamente pelas
diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras.
Esse princípio se
aplica aos fonemas. Eles são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e
negativas.
4 – O Signo
considerado na sua totalidade
Na língua só
existem diferenças. E diferenças sem
termos positivos, porque o que haja de matéria fônica ou de idéia num
signo importa menos do que o que existe em redor dele nos outros signos.
Mas dizer que na
língua tudo é negativo é verdade somente em relação ao significado e ao
significante tomados separadamente: desde que consideramos a totalidade do
signo estamos perante uma coisa positiva em sua ordem.
Um sistema
lingüístico é uma série de diferenças de sons com uma série de diferenças de
idéias, e essa confrontação engendra um sistema de valores, e é tal sistema que
constitui o vínculo efetivo entre os elementos fônicos e psíquicos no interior
de cada signo.
Alguns fatos
diacrônicos elucidam a questão: há casos em que a alteração do significante
provoca a alteração da idéia, e a soma das idéias distinguidas é a soma dos
signos distintivos.
Inversamente, toda
diferença percebida pelo espírito busca exprimir-se por significantes
distintos, e duas idéias que o espírito não mais distingue, tendem a se
confundir no mesmo significante.
Quando se comparam
os signos – positivos – já não se pode falar de diferenças, mas de oposição.
Todo mecanismo da linguagem se funda em oposições desse tipo e nas diferenças
fônicas e conceituais que engendram.
O que é verdadeiro
do valor também o é da unidade. Ela é, pois, diferencial.
Outra conseqüência
desse princípio é que o que se de chama fato de linguagem (como a formação do
plural, por exemplo) é, em última análise, a definição de unidade, pois exprime
sempre uma oposição de termos.
Unidade ou fato de
gramática servem somente para expor as oposições lingüísticas.
Assim considerada,
a língua é uma forma, e não uma substância. Todos os erros da nossa
terminologia provêm da suposição involuntária de que haveria uma substância no
fenômeno lingüístico.
Cap. V – Relações
sintagmáticas e associativas
Num estado de
língua, tudo se baseia em relações.
As relações e
diferenças entre termos lingüísticos se desenvolvem em duas séries distintas,
cada uma das quais geradora de certa ordem de valores. Correspondem a suas
formas de nossa atividade mental, ambas indispensáveis para a vida da língua.
De um lado, no
discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude do seu encadeamento,
relações baseadas no caráter linear da língua, que podem ser chamadas de
sintagmáticas, compostas sempre de duas ou mais unidades consecutivas. Num
sintagma, um termo só tem valor porque se opõe ao que se segue ou ao
precedente.
Fora do discurso,
as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam
grupos dentro dos quais imperam relações diversas. Elas não têm por base o
exterior; sua sede está no cérebro. São chamadas de relações associativas, de
caráter arbitrário, oposto ao caráter presencial das relações sintagmáticas.
2 – As relações
sintagmáticas
As relações
sintagmáticas não se aplicam somente às palavras, mas aos grupos de palavras e
às unidades complexas de toda espécie, inclusive as frases.
A frase é o tipo
por excelência de sintagma. Mas a frase pertence à fala, e o sintagma à língua.
Há que se questionar, então, o grau de liberdade dos sintagmas, em comparação
com a liberdade de combinações que permite a fala.
As frases feitas,
as expressões idiomáticas, as palavras caracterizadas por anomalias
morfológicas, pertencem à língua. Esses torneios não podem ser improvisados.
São fornecidos pela tradição.
Cumpre atribuir à
língua e não á fala todos os tipos de sintagmas construídos sobre formas
regulares. Tanto as palavras compostas que seguem um tipo determinado
(anarquia, anacoluto etc.), como as frases e grupos de palavras estabelecidos
sobre padrões regulares.
Entretanto, no
domínio do sintagma, não há limite categórico entre o fato da língua e o fato
da fala.
3 – As relações
associativas
Os grupos formados
por associação mental não se limitam a aproximar os termos que apresentam algo em comum. O espírito capta
também a natureza das relações que os unem em cada caso e cria com isso tantas
séries associativas quantas relações diversas existirem.
Os termos de uma
cadeia associativa não se apresentam sem em número definido, nem numa ordem
determinada.
Ensinamento
Ensinar
aprendizagem elemento
Ensinemos
educação lento
Etc. etc. etc.
Cap. VI – Mecanismo
da Língua
1 – As
solidariedades sintagmáticas
O conjunto das
diferenças fônicas e conceituais que constituem a língua resulta de duas
espécies de comparações; as aproximações são ora associativas, ora sintagmáticas.
Estes agrupamentos são estabelecidos pela língua. E é esse conjunto de relações
usuais que a constitui e que lhe preside o funcionamento.
A primeira coisa
que chama atenção nessa organização são as suas solidariedades sintagmáticas,
pois quase todas as unidades da língua dependem seja do que as rodeia na cadeia
falada, seja das partes sucessivas de que elas próprias se compõem.
Via de regra, não
falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, que são eles próprios
signos. Na língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz, também, a
agrupamentos.
2 – Funcionamento
simultâneo de duas formas de agrupamento
Entre os
agrupamentos sintáticos existe um vínculo de interdependência. A coordenação no
espaço contribui para criar coordenações associativas, e estas são necessárias
para a análise das partes do sintagma.
Tomando por exemplo
‘desfazer’, podemos organizar a palavra na cadeia falada, e simultaneamente,
por outro eixo, existirão no subconsciente uma ou mais séries associativas
compreendendo unidades que têm um elemento comum com o sintagma.
É na medida em que
estas outras formas flutuem ao redor de desfazer que a palavra pode ser
decomposta em subunidades: ou seja, construir um sintagma. Assim, desfazer não
seria analisável se ‘des’ e ‘fazer’ não existissem na língua.
Nossa memória
associativa possui tipos de sintagmas dos mais simples aos mais complexos, e no
momento de emprega-los, fazemos intervir os grupos associativos para fixar
nossa escolha.
Assim, nessa
operação de eliminar mentalmente tudo quanto não conduza a diferenciação
requerida no ponto requerido, os agrupamentos associativos e os tipos de
sintagmas estão ambos em jogo.
Inversamente, esse
procedimento de fixação e escolha governa as mínimas unidades e até mesmo os
elementos fonológicos, quando estão revestidos de um valor.
3 – O arbitrário
absoluto e o arbitrário relativo
O mecanismo da
língua pode ser apresentado sob outro ângulo particularmente importante.
O princípio da
arbitrariedade do signo não impede distinguir, em cada língua, o que é
radicalmente arbitrário (imotivado) do que é relativamente arbitrário
(relativamente motivado).
Assim, ‘vinte’ é
imotivado, mas ‘dezenove’ não o é no mesmo grau, porque evoca os termos dos
quais se compõe e outros que lhe são associados, com dez, nove, vinte e nove,
setenta.
A motivação é tanto
mais completa quanto a análise sintagmática seja mais fácil e o sentido das
subunidades mais evidente.
Portanto, a noção
do relativamente motivado implica uma relação sintagmática e uma relação
associativa.
Até aqui, as
unidades não apareceram como valores, como os elementos de um sistema, e foram
consideradas sobretudo nas suas oposições; agora reconhecemos as solidariedades
que as vinculam: são de ordem associativa e sintagmática, e ambas limitam o arbitrário.
Tudo quanto se
refira à língua quanto sistema exige que a abordemos do ponto de vista da
limitação do arbitrário.
Em certo sentido,
as línguas em que a imotivação atinge o máximo são mais lexicológicas, e
aquelas em que se reduz ao mínimo, mas gramaticais. Os exemplos mais
extremos dos dois exemplos são, de um lado, o chinês, e do outro, o
indo-europeu e o sânscrito.
Obrigada por disponibilizar este material. Gostei muito!
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